sábado, 18 de fevereiro de 2012


Categorias de base - parte II
Clube deve ter filosofia de trabalho clara e objetivo definido para que torneios, que teriam a função de ajudar na preparação de novos talentos, não atrapalhem a formação
Paulo André Cren Benini*
No texto anterior tentei evidenciar que o modelo atual aplicado nas categorias de base é deficitário por causa do baixo aproveitamento dos atletas formados dentro dos clubes e que se torna mais vantajoso (seguro) contratar jovens profissionais já preparados ao invés de investir em garotos em formação. 

Mais do que isso, quis passar que se continuarmos tentando revelar jogadores aos 18 anos, se não profissionalizarmos a estrutura de formação de atletas e de competições das categorias de base e nem formos capazes de preparar jovens para a vida fora do esporte (ensinando que jogar futebol não é só jogar futebol), continuaremos perdendo tempo e nos afastando, cada vez mais, do topo do futebol mundial.

Essa é a uma constatação.
Li todos os comentários e confesso que alguns anteciparam boa parte do que eu iria escrever nesta segunda parte. Eu, assim como a maioria, não acredito que os grandes clubes e os tradicionais formadores devam parar de investir na base, mas insisto em dizer que devem focar suas forças para reverter a deficitária situação atual e, principalmente, a péssima qualidade na formação de jovens atletas. 

Como? Definindo uma filosofia de trabalho a longo prazo, conceituando toda a estrutura, otimizando seus modelos, qualificando seus treinadores e treinamentos, oferecendo uma formação completa ao individuo e, por fim, atingindo algo próximo a 20 ou 25% de sucesso – o que significa aproveitar 20 ou 25% de jogadores oriundos da base no profissional. Esse deve ser o objetivo.

O clube que quiser atingir isso terá que driblar as confusões feitas pelas entidades que regem o futebol nos estados e no país e não poderá dar muita importância a suas competições, pois essa é a única maneira de fugir das limitações que elas causam a formação dos jovens jogadores brasileiros. Digo isso por não encontrar lógica no calendário anual da categoria Junior, que antecede a profissional. Por se tratar do último passo antes da transição ao time de cima, deveria ser tratada com maior importância e interesse por todos os envolvidos, incluindo clubes, federações e confederação.
Por exemplo: digamos que a Copa São Paulo (sub-18), disputada em janeiro, seja a primeira competição do ano. O próximo campeonato para a categoria sub-20 só acontece no final de maio, quando as equipes iniciam o Campeonato Paulista. Em julho, em meio ao campeonato estadual, os clubes deslocam todo um efetivo para a disputa da Taça BH, que se equipara à Copa São Paulo mas tem menor exposição. O Paulistinha se estende (para os finalistas) até dezembro quando surge o Campeonato Brasileiro sub-20 que é disputado entre os dias 5 e 20 do mesmo mês. Resumindo: os garotos ficam quatro meses sem disputar campeonatos. 

Quando chega o mês de maio, as comissões técnicas se perguntam se optam por jogar com o sub-18 para preparar melhor o time para a Taça São Paulo (que tem maior visibilidade para atletas, clubes e treinadores) ou mantêm seus times intactos pensando na evolução dos atletas de 19 e 20 anos.

Para não errar nessa decisão, o clube deve ter uma filosofia de trabalho clara e um objetivo definido para que os torneios, que teriam a função de ajudar na preparação de novos talentos, não atrapalhem a formação desses meninos.
Esquecendo-nos das competições, devemos focar na formação. Quantas vezes escutamos que o jogador A não sabe chutar, o B não sabe cruzar e o C não sabe cabecear? Se os garotos passam quatro ou cinco anos dentro de um clube e não aprendem isso, de quem é a culpa? Onde está o erro? No método de ensino ou na promoção deles para a categoria de cima? 

Outro problema recorrente no Brasil: falta de consciência tática, de jogo em equipe, de ajuda na recuperação da posse de bola - tudo isso é treinável. São princípios de jogo que servem como base para as variações táticas. Se o jovem aprender isso, poderá aplicá-las em qualquer sistema ou situação de jogo. Mas você acha que tem alguém ensinando isso nas equipes de base?

Essa carência nos leva à fundamental importância de se investir na qualidade da comissão técnica e na pedagogia dos treinamentos para fazer o jovem caminhar na direção que o clube acredita ser ideal para promovê-lo, um dia, à sua equipe principal. 

Não adianta se preocupar, assim como fazem atualmente clubes e empresários brasileiros, em identificar o talento aos 12 ou 13 anos, pagar salários felpudos e contratar os pais do menino para burlar a lei e mantê-lo ali. Não há nenhuma garantia de que ele chegará ao profissional e muito menos de que ele será um craque. 

Pelo contrário, corre-se um sério risco de mimá-lo demais ou dar-lhe muito mais dinheiro do que ele estaria preparado (psicologicamente) para receber nessa idade, o que o fará relaxar e não se dedicar suficientemente, como exige o esporte de alto rendimento.

No formato e na mentalidade atual, acertaremos 1 em cada 1000 fenômenos infantis e jogaremos fora 999 meninos, tirados do convívio da família, não preparados para vida e devolvidos à sociedade sem nenhuma instrução. 

O grande problema no Brasil é que tem gente que diz que, ainda assim, vale a pena o investimento feito pois o jogador revelado será vendido por 20 milhões de dolares e pagará a conta dos que não deram certo. 

Aquele que for a favor deste modelo, lembre-se de não protestar sobre falta de amor à camisa nem chamar o jogador de mercenário, pois é exatamente isso que estamos ensinando a um garoto de 13 anos que opta por um clube que o paga melhor, quando na verdade deveria optar pela melhor estrutura e projeto de vida, correto?

Outro exemplo: nas universidades norte-americanas, os caçadores de talentos convencem atletas com potencial, oriundos do colégio, por meio do histórico de seus treinadores capacitados, da porcentagem de jogadores que saíram de lá para a NBA, NFL, etc... e pela qualidade do ensino universitário que será possível cursar. Não é pelo salário, nem pelas mordomias, mas sim pelo que a opção representa ao futuro do indivíduo.
Você deve estar se perguntando: é possível manter um jovem dentro de um clube frente à concorrência financeira de outro clube maior ou mais rico? Depende. Confesso que é impossível manter 100% dos atletas. Cada um tem uma cabeça, uma história e uma necessidade. Mas tenho certeza de que é possível chegar ao mínimo a 50% de permanência (no curto prazo) e aumentá-la gradativamente, desde que o projeto oferecido seja eficiente, claro e verdadeiro.
O que quero dizer com isso?
Deve-se oferecer ao jovem que está dentro do projeto chances reais e lógicas de fazer parte da equipe profissional do seu clube, não porque ele seja um craque, mas porque o seu clube tem o histórico de formá-lo (capacitadamente) com os “ingredientes” que acredita serem fundamentais para a “filosofia” de futebol que seu time/conselho/torcedores acreditam ser ideal. 

Para isso ser possível, a primeira coisa que devemos fazer é eliminar a pressão para que o jovem chegue ao profissional aos 18 anos. Se oferecermos mais dois ou três anos de formação e lapidação fina, as chances de produzirmos atletas melhores é maior e a chance de o clube se desfazer erroneamente de um atleta de qualidade é muito menor.

Manter esses jovens até 20 ou 21 anos em suas categorias de base os farão ficar ansiosos em sair? Sim. Os empresários tentarão convencê-los a deixar seu clube para jogar em outro pensando no ganho financeiro a curto prazo? Sim. Eles terão um maior assédio das equipes internacionais? Sim. E como convencê-los a ficar? Respondo essa pergunta com outra pergunta: você acha que os garotos do Barcelona não sofrem assédio? O clube pode até perder alguns jogadores, mas não fará loucuras ou mudará sua filosofia por causa de um jovem talento.

Essas perdas não representam um prejuízo irreparável porque a fórmula de sucesso do projeto está na qualidade da formação e não nos jogadores. Além disso, inúmeros outros movimentos se fazem necessários para que haja oportunidades aos jovens da base. Olhar para eles antes de contratar alguém de fora para o profissional é fundamental. Estabilidade no trabalho do treinador da equipe principal também, para que ele possa lançar jogadores da base sem sofrer pressões extremas por resultados.

Mas o Brasil ainda está engatinhando e, para nossa tristeza, a fórmula permanece inalterada (e pior, inquestionada), simplesmente porque tem alguém/alguns tirando proveito da situação. Vide o número de times de empresários, de negociações de meninos pós-Copinha e de jovens promessas deixando o país para lugares que, apesar de pagarem bem, não dão continuidade ao desenvolvimento do atleta. 

Aos senhores feudais travestidos de políticos e dirigentes que assumiram cargos técnicos fundamentais para o desenvolvimento do esporte brasileiro sem a qualificação ou visão necessárias que os postos demandam, vale lembrar que, apesar desse êxodo de jogadores parecer um problema individual do jovem que faz a escolha, a médio e longo prazo está claro que esse movimento fez e faz mal ao nosso futebol e à nossa seleção. 

Se continuarmos contando com a sorte e com o ‘achadorismo’ continuaremos nesse ciclo vicioso de péssima formação educacional e esportiva. Para que a máquina volte a se movimentar, devemos mudar.

No próximo post fecharei o tema... Conto com vocês, suas opiniões e ideias! 
 

*Nascido em 20 de agosto de 1983, Paulo André Cren Benini iniciou sua carreira como infantil do São Paulo Futebol Clube, em 1998, onde permaneceu até 2001, conquistando dois títulos paulistas de categoria de base (2000 e 2001). Em dezembro de 2001, foi transferido para o Centro Sportivo Alagoano, ficando por apenas três meses.
Em março de 2002, Paulo André voltou para o estado de São Paulo, desta vez para atuar no Águas de Lindóia Esporte Clube. Lá, foi campeão paulista de juniores da Série A-2 e teve sua primeira chance como profissional, ajudando o clube a subir da quinta para a quarta divisão estadual. Em janeiro de 2003, transferiu-se para os juniores do Guarani Futebol Clube, onde foi promovido aos profissionais. Em julho de 2004, sofreu com uma contusão no púbis, que o deixou afastado por seis meses.
Em junho de 2005, Paulo André foi transferido para o Clube Atlético Paranaense, onde foi consagrado como um dos cinco melhores zagueiros do Brasil, pela Revista Placar. Em 2006, recebeu o título de Melhor Zagueiro do Estado, pela Federação Paranaense de Futebol.
Aos 22 anos, em junho de 2006, o atleta firmou contrato de quatro anos com o Le Mans Football Club, onde participou por três anos dos campeonatos: Francês, Copa da França e Copa da Liga. Em julho de 2009, Paulo André foi apresentado como nova contratação do Sport Club Corinthians Paulista, em um empréstimo que iria até agosto de 2010. 

Mesmo atuando como reserva, o zagueiro destacou-se nas jogadas aéreas, marcou três gols, e teve seus direitos econômicos comprados pelo time paulista, firmando novo contrato que vai até julho de 2012. 

O texto foi retirado na íntegra do blog mantido pelo jogador: http://pauloandre-13.blogspot.com/

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